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Desafios no desenvolvimento de um documento único para o transporte rodoviário de cargas

Resultado de imagem para A difícil implementação do Documento Eletrônico de Transporte

O Documento Eletrônico de Transporte (DT-e) é uma promessa do Governo Federal para desburocratizar o transporte rodoviário de cargas. Trata-se de documento a ser emitido eletronicamente, com potencial para melhorar as condições de fiscalização e segurança das operações de transporte, acabando com a necessidade de documentos impressos e auxiliando no planejamento da viagem. Entretanto, enquanto há diversos pontos em aberto sobre o funcionamento do DT-e, certo descompasso entre as iniciativas do Governo Federal e aquelas que transitam no Congresso Nacional acaba jogando contra sua implantação no curto prazo.

A discussão sobre o DT-e não é nova, mas o tema reapareceu recentemente no debate ocorrido no Senado Federal para a conversão do texto da Medida Provisória 881/2019 em Lei. Este documento eletrônico, no entanto, já aparecera em pelo menos três diplomas normativos ou projetos de lei, sendo o primeiro deles o PL 75/2018, apresentado em 1999 na Câmara dos Deputados e atualmente em discussão no Senado.

De acordo com a redação mais atual do PL 75/2018, o DT-e seria de registro obrigatório nas operações de transporte rodoviário e a competência para estabelecer seus modelos, forma de registro e conteúdo seria da ANTT. O mecanismo previsto neste projeto de lei é considerado o mais avançado, e, com base no PL 75/2018, a ANTT preparou uma minuta de Resolução, já submetida à Audiência Pública, para a efetiva disciplina e implementação do DT-e.

A ideia do DT-e também está presente na Lei 13.703/2018, que introduziu a política de piso mínimo do frete. Tal normativo, ainda que não tenha utilizado o termo “Documento Eletrônico de Transporte”, faz referência a um documento único que, submetido à regulamentação da ANTT, estaria apto a condensar todos os documentos então necessários ao transporte rodoviário de cargas (por exemplo, Conhecimento de Transporte Eletrônico – CT-e, Manifesto Eletrônico de Documento Fiscal – MDF-e, Nota Fiscal Eletrônica – NF-e).

Além disso, no decorrer das discussões para a conversão da Medida Provisória 881/2019 em Lei, foi proposto um dispositivo que alterava a Lei 12.682/2012 e introduzia previsão sobre o DT-e. O diferencial trazido por essas discussões foi a competência para regulamentar o DT-e que, até então com a ANTT, seria atribuída ao Ministério da Infraestrutura. A Medida Provisória 881/2019 ainda visava à revogação da competência da ANTT para regulamentar a atividade de pagamento eletrônico de frete.

Essas disposições referentes ao DT-e, no entanto, foram retiradas do texto final da Medida Provisória 881/2019, diante de posicionamentos negativos de associações de classe de transportadores autônomos. Segundo a Confederação Nacional de Transportes (CNT), a nova tecnologia serviria apenas para burocratizar mais a fiscalização, uma vez que o Governo Federal anunciava a introdução de um novo documento sem especificar como se dará a substituição dos documentos atualmente exigidos.

Especificamente em relação ao DT-e, a despeito dos potenciais ganhos de eficiência que sua implementação pode representar, diversos desafios ainda precisam ser superados para que a medida seja vista com menos desconfiança pelo setor.

Dentre esses desafios, destaca-se a necessidade de uniformização dos documentos hoje vigentes, tarefa essencial a qualquer tentativa de se estabelecer um documento único de transporte. Hoje esses documentos não são exigidos de forma uniforme ao longo do território brasileiro, dado que os próprios Estados podem dispor sobre os documentos fiscais que serão obrigatórios em seus territórios.

Assim, a criação de um novo documento com tamanho potencial simplificador demanda uma integração entre Estados e União, a qual ainda não foi indicada pelo Governo Federal. Caso a negociação entre Governo Federal e Governos Estaduais não seja bem-sucedida, o DT-e poderá se tornar apenas mais um documento obrigatório para o transporte de cargas, confirmando os temores do setor e em clara contradição com seus objetivos primordiais. Nesse sentido, seguem pendentes definições sobre se o DT-e irá de fato tornar desnecessária a apresentação de outros documentos, e quais serão estes, ou se irá apenas consolidar informações de documentos já hoje necessários, por exemplo.

Mesmo em meio a pontos tão sensíveis em aberto, o Ministério da Infraestrutura iniciou o projeto piloto do DT-e no Estado do Espirito Santo. Os testes utilizam o sistema de monitoramento eletrônico denominado “Canal Verde Brasil”, operado pela ANTT, que mapeia o fluxo de transporte por meio de equipamentos de reconhecimento óptico.

As propostas para implementação do DT-e, assim, não traduzem uma grande integração entre as ideias do Governo Federal e as propostas legislativas do Congresso Nacional, e, infelizmente, tal modus operandi tem sido recorrente nos últimos meses. Há diversos outros exemplos capazes de demonstrar certo descasamento entre a imposição de medidas do Executivo e pautas há tempos em debate no Legislativo ou nas agências reguladoras – e, nesse contexto, não causa estranheza ser este o governo campeão no número de decretos editados em começo de mandato.

Para permanecer no setor do transporte rodoviário de cargas, no entanto, citamos como a regulamentação do piso mínimo do frete. Até o momento, as tentativas da ANTT de definir a metodologia de cálculo não agradaram à categoria de transportadores autônomos, e, diante disso, o Governo Federal, temendo uma nova greve, suspendeu a Resolução ANTT 5.849/2019 – que introduziu nova metodologia elaborada a partir de contribuições obtidas em Audiência Pública – para reiniciar as negociações com a categoria descontente.

Como se vê, as iniciativas do Governo Federal, ainda que com grande potencial de produzir efeitos benéficos aos setores de infraestrutura – como é o caso do DT-e –, precisam ser acompanhadas do devido diálogo com o Congresso Nacional, agências reguladoras e sociedade, sob risco de terem sua finalidade frustrada. O respeito a um processo normativo sem atropelos será essencial para a implementação de políticas e mecanismos que confiram eficiência ao setor de infraestrutura, atendendo aos interesses das categorias envolvidas e garantindo melhores condições para a prestação de serviços relevantes à economia do país.

(Fonte: Setcesp)