Com a edição do Código de Processo Civil de 2015, criou-se grande expectativa acerca da possibilidade do “trânsito em julgado por capítulos”, disciplinado por meio do artigo 356 do novo diploma de ritos, especialmente a partir da possibilidade de cumprimento definitivo da sentença com relação à parte transitada em julgado, dispensando-se, assim, a apresentação de caução por parte do exequente.
Até então, o cumprimento definitivo da sentença apenas poderia ser iniciado após o trânsito em julgado completo da decisão, orientação que foi sedimentada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ainda em 2005, quando, no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 404.777/DF, consolidou o entendimento no sentido de que “sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em julgado parcial”.
O entusiasmo com a nova possibilidade processual, no entanto, não foi abraçado pelo STJ como esperado, que sistematicamente afastou a possibilidade de cindir a decisão para reconhecer o trânsito em julgado apenas da parcela não impugnada pela parte recorrente.
São diversos os julgados nesse sentido, mas, apenas a título ilustrativo, citamos o mais recente deles, realizado em 8 de abril de 2024, oportunidade em que a 2ª Turma do STJ negou provimento ao Agravo Interno no Recurso Especial nº 2.091.821/PR ao entendimento de que “é firme a jurisprudência do STJ no sentido de impossibilidade de fracionamento da sentença, com trânsito em julgado parcial, motivo pelo qual o trânsito em julgado material somente ocorre quando esgotadas todas as possibilidades de interposição de recurso”.
A maré, no entanto, parece ter virado
Em julgamento realizado em 16 de abril de 2024, ou seja, poucos dias após aquele mencionado anteriormente, a própria 2ª Turma do STJ, sob relatoria do ministro Herman Benjamin, considerou que a impossibilidade da adoção do trânsito em julgado por capítulos limitava-se apenas a uma situação envolvendo ações rescisórias, de modo que a ferramenta processual deveria ser utilizada após a edição do CPC/15.
Ao julgar o Agravo Interno no Agravo Interno no Recurso Especial nº 2.038.959/PR (a repetição de recursos ilustra a complexidade da tese), a 2ª Turma do STJ autorizou a cisão da decisão que julgava ação ajuizada por contribuinte para questionar a inclusão do ICMS e do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins, uma vez que, enquanto o tema já se encontra resolvido em definitivo com relação ao imposto estadual, o debate segue no que se refere ao tributo municipal.
Com isso, o contribuinte pôde buscar a compensação administrativa dos créditos com relação à indevida inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, enquanto aguarda a resolução acerca da exclusão do ISS da base imponível dessas mesmas contribuições, solução que nos parece a mais correta, especialmente por privilegiar o artigo 356 do CPC e toda a sistemática processual imposta após a edição do diploma de ritos de 2015, que já anunciava em seu artigo 6º consistir em dever dos sujeitos do processo “cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Para muito além da aplicação do trânsito em julgado por capítulos em ações destinadas à discussão de teses tributárias, acreditamos que o novo horizonte inaugurado pela 2ª Turma do STJ abre possibilidades que serão muito bem-vindas aos contribuintes, especialmente com relação ao rito das execuções fiscais.
É que já não é novidade que o meio de defesa do executado, os embargos à execução, demanda a apresentação de garantia integral, o que torna o litígio muito custoso ao contribuinte, notadamente porque, não raras vezes, as ações antiexacionais se arrastam por anos.
E, por outro lado, a jurisprudência como um todo se consolidou no sentido de que o levantamento da garantia ofertada em sede de execução fiscal apenas é autorizado após o trânsito em julgado da decisão que julgar a ação destinada a questionar o débito em cobrança.
Com isso, e por situações que nem sempre podem lhe ser atribuídas (como a natural demora da marcha processual ou o sobrestamento do feito em razão da afetação da matéria a recursos repetitivos), o contribuinte acaba por suportar um ônus — seja, o custo com manutenção de seguros e indisponibilidade de valores depositados, por exemplo — que certamente poderia ser atenuado em caso de correta aplicação da ferramenta do trânsito em julgado por capítulos.
Imagine-se, por exemplo, o cenário em que o contribuinte está sendo executado para cobrança de dois tributos de natureza distinta e, no acórdão que julga os embargos à execução, o tribunal reconhece que os dois não são devidos diante do que o Fisco interpõe recurso com relação a apenas um deles. Pode-se imaginar também a situação em que um mesmo tributo está sendo cobrado, sendo que parte dele teve a prescrição reconhecida pelo tribunal sem que esse trecho do aresto tenha sido desafiado em recurso pela Fazenda.
Ora, nada mais “justo e efetivo” (valores expressos, lembre-se, no artigo 6º do CPC) que se reconheça que o capítulo do acórdão proferido pelo Tribunal que não foi alvo de recurso transitou em julgado, o que, então, possibilitará ao contribuinte dar início ao seu cumprimento, com a revisão da garantia apresentada nos autos da execução fiscal.
Isto é, se o contribuinte depositou R$ 1 milhão em razão da cobrança de débitos de, por exemplo, IRPJ e IPI (sendo R$ 500 mil cada um), o trânsito em julgado do capítulo que considerou um dos tributos como indevido exigirá o imediato ajuste da certidão de dívida ativa para redução do débito, o que possibilitará o imediato levantamento do depósito de forma parcial.
O mesmo ocorrerá caso a opção de garantia tenha sido a apólice de seguro: será possível ao contribuinte a apresentação de endosso de apólice para redução do valor segurado, o que reduzirá o seu custo mensal de manutenção junto à instituição financeira.
O novo paradigma do STJ com relação ao trânsito em julgado por capítulos, para além de cumprir o que já estava disciplinado no CPC de 2015, acaba por entregar também maior efetividade ao sempre lembrado princípio da menor onerosidade ao executado, o que garante (ou ao menos deveria) ao contribuinte a possibilidade de se defender em sede de execução fiscal com o menor ônus possível.
Já que ainda não é possível ao contribuinte incluir os custos de manutenção de garantias nos ônus sucumbenciais, parece-nos justo que seja, ao menos, possível a redução gradual do custo com a manutenção de garantias, à medida em que se reconheça a redução do débito em cobrança.
Fonte: Conjur