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Existe prazo para que um adiantamento para futuro aumento de capital – AFAC seja integralizado ao capital social da pessoa jurídica? Os prazos são diferentes se o AFAC for feito por um sócio pessoa física ou por um sócio pessoa jurídica?  Se for ultrapassado este eventual prazo, haverá multa ao contribuinte? Sob que condições um determinado AFAC pode ser entendido pelo fisco como sendo mútuo e ficar sujeito ao IOF – Imposto sobre Operações Financeiras?

Estas e outras questões serão abordadas e respondidas neste artigo. O tema justifica-se em razão das operações societárias de AFAC serem muitas vezes vultosas, levando o contribuinte a um litígio às vezes desnecessário.

Há uma linha tênue entre o adiantamento para futuro aumento de capital e um aporte financeiro qualquer dos sócios para a sociedade. Se não for muito bem caracterizado e documentado, o contribuinte corre o risco de o fisco classificar a operação como mútuo e cobrar o IOF incidente.  Por isso, é importante ficar bem atento. Mas mesmo com este risco fiscal, é possível ainda encontrar alguns elementos de defesa.

O AFAC é a transferência de recursos monetários de sócios para utilização nas operações correntes ou de investimento da sociedade, sem o intuito e compromisso de devolução futura. Se as condições contratadas são a de entrega definitiva dos recursos, com a condição de absoluta permanência na sociedade, sem qualquer possibilidade de exigência de devolução futura, então o aporte deve ser considerado como AFAC. Mesmo assim, devem ser observados alguns requisitos, decorrentes muito mais da aplicação de princípios e diretrizes de governança corporativa do que de uma legislação formal sobre o tema.

Mas, e o prazo para conversão do AFAC em capital social?

Para o fisco, o contribuinte deve capitalizar o valor do AFAC ao capital social por ocasião da primeira Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas – AGE, da primeira alteração contratual posterior ao aporte ou, no máximo, em até 120 dias contados do encerramento do exercício social.

A descaracterização do AFAC pelo fisco transforma os aportes em mútuo, mas se o sócio cedente do empréstimo for pessoa física, o fisco não pode cobrar o IOF, porque a sua incidência só ocorre nas operações de crédito realizadas por instituições financeiras, empresas de factoring e entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, quando a jurídica emprestar recursos para a física.

Nos aportes de sócios pessoas físicas para a sociedade (pessoa jurídica) não incide o IOF, por estar fora do seu campo de incidência. Assim, nos AFACs realizados por pessoas físicas em favor de uma pessoa jurídica da qual o cedente é sócio, o fisco jamais poderá autuar para exigir o pagamento do IOF.

Quanto à exigência do prazo máximo de 120 dias, contados do encerramento do exercício, só se aplicaria para as operações de aporte financeiro de pessoa jurídica para outra pessoa jurídica, mas ainda assim, com grandes chances de reversão no CARF. Neste caso, a RFB tem se baseado no Parecer Normativo CST nº 17/1984, que nem está mais em vigor e não tinha, à época da sua vigência, força de lei.

O PN acima referido foi alterado pela IN/SRF nº 127/1988, com pequenas modificações, mas que também foi revogada a partir de 09/08/2000, por meio da IN/RFB nº 79/2000. Portanto, não há atualmente nenhum regramento jurídico que determine um prazo para que um aporte para futuro aumento de capital seja integralizado ao capital social, por meio de alteração contratual, se for uma sociedade limitada, ou por uma AGE, se for sociedade anônima.

No entanto a RFB, em várias autuações, tem mantido a aplicação das condições estipuladas no Parecer Normativo CST nº 17/1984, cujo teor segue abaixo:

“IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS

M.N.T.P.J.: 2.28.05.00 – Adições ao Lucro Líquido

2.99.01.00 – Da Aplicação das Normas de Legislação do Imposto de Renda.

Não é exigível a observância ao disposto no artigo 21 do Decreto-lei nº 2.065/83 à pessoa jurídica que fizer adiantamento de recursos financeiros, sem remuneração, para sociedade coligada, interligada ou controlada, desde que: (1) o adiantamento se destine, especifica e irrevogavelmente, ao aumento do capital social da beneficiária e (2) a capitalização se processe, obrigatoriamente, por ocasião da primeira AGE ou alteração contratual posterior ao adiantamento ou, no máximo, até 120 dias contados do encerramento do período-base da sociedade tomadora dos recursos.”. (grifamos).

Preliminarmente, é preciso pontuar que o referido PN CST nº 17/1984 se aplica exclusivamente às operações de adiantamento de recursos de uma para outra pessoa jurídica, na condição de coligada, interligada ou controlada. A orientação, nem de longe, se aplica a operações de entrega de recursos financeiros de sócio pessoa física para a pessoa jurídica.

O mencionado PN CST apenas se posiciona no sentido de que não sendo efetivamente o aporte realizado pelo sócio em favor da pessoa jurídica um mútuo e, sim, o AFAC, nos termos e condições discutidos acima, o contribuinte estaria dispensado do cumprimento do disposto no Art. 21 do Decreto Lei nº 2.065/1983. O disposto no Art. 21 supra referido determina que o contribuinte reconheça, para fins de determinação do lucro real, pelo menos o valor da atualização monetária do empréstimo.

A questão crucial, admitida pelo fisco em várias autuações, é que o AFAC quando não for muito bem documentado é entendido como mútuo e por isso sujeito ao IOF.  Na análise de várias decisões do CARF é possível verificar nos argumentos da autoridade fiscal autuante que não existe razão alguma para que determinado aporte de recursos de sócios, na condição de AFAC, seja integralizado ao capital social dois ou três anos depois. Para o fisco é nitidamente um empréstimo travestido de adiantamento para futuro aumento de capital, apenas para fugir da incidência do IOF. O período de 120 dias após o término do exercício social é mais que suficiente para que a empresa efetue a integralização do AFAC ao capital social, na visão do fisco.

Em situações como estas, é preciso então que o contribuinte tenha meios de demonstrar que esses aportes tenham o caráter de exclusividade para futuro aumento de capital, que a destinação para esta finalidade seja feita pelo sócio concedente dos recursos, de forma irretratável e irrevogável e que não haja a possibilidade de devolução do AFAC ao sócio que aportou, em razão de alguma determinação legal ou societária incidente sobre a operação.

Uma dúvida muito comum aos contadores é se o AFAC deve ser registrado em conta do patrimônio líquido ou no exigível a longo prazo. Isto faz toda a diferença quando nos deparamos com o enfrentamento do fisco, na tentativa de classificá-lo como mútuo ou empréstimo do sócio à sociedade.

Sendo os aportes de recursos feitos com o conhecimento de todos os sócios de que serão, de forma irrevogável e irretratável, destinados exclusivamente a futuro aumento de capital, devem ser contabilizados no grupo do patrimônio líquido da sociedade, logo abaixo do capital social. Tudo isso, desde que não haja obrigatoriedade por algum regramento legal fora do contrato de AFAC do valor ser futuramente devolvido a quem aportou os recursos. Este procedimento está de acordo com o determinado nos itens 68 e 69 do Comunicado Técnico CTG 2000, aprovado pela Resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 1.159/2009, atualmente em vigor [1], cuja transcrição segue abaixo.

“Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC)

  1. Esse grupo não foi tratado especificamente pelas alterações trazidas pela Lei nº. 11.638/07 e MP nº. 449/08; todavia, devem ser à luz do princípio da essência sobre a forma classificados no Patrimônio Líquido das entidades.
  2. Os adiantamentos para futuros aumentos de capital realizados, sem que haja a possibilidade de sua devolução, devem ser registrados no Patrimônio Líquidoapós a conta de capital social. (…).”. (grifamos).

Os referidos itens acima do CTG 2000 determinam a forma de contabilização do AFAC, devendo ser seguido pelos contadores e administração das empresas brasileiras.

Havendo algum elemento subjetivo na operação, para a correta classificação do lançamento, o contribuinte deve se valer da aplicação do princípio contábil da essência sobre a forma, para o registro no patrimônio líquido ou no exigível a longo prazo do passivo não circulante.

Assim, até este ponto, desde que o aporte não tenha mesmo características de empréstimos do sócio para a sociedade e sendo contabilizado no grupo do patrimônio líquido como AFAC, muitos contribuintes têm tido êxito nos julgamentos do CARF.

Chama a atenção a posição daquele Colegiado nos três seguintes Acórdãos, trazidos abaixo.

Acórdão nº 9303-012.913 – CSRF/3ª Turma, em sessão de 18/02/2022, Relator Rodrigo da Costa Pôssas.

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO E SEGUROS OU RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS (IOF). Ano calendário: 2003

ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. FALTA DE NORMA ESPECÍFICA PARA DESCARACTERIZAR A OPERAÇÃO DE AFAC COM ENQUADRAMENTO COMO OPERAÇÃO DE MÚTUO. IOF.

Não cabe desenquadrar uma operação como AFAC, caracterizando-a como mútuo para fins de exigência do IOFsustentando, entre outros, como motivação o fato de o contribuinte não ter observado os requisitos dispostos pelo Parecer Normativo CST 17/84 e IN SRF 127/88, que impuseram, entre outros, a observância de prazo limite para a capitalização dos AFACsTais atos, inclusive, foram formalmente revogados, vez que se referiam a dispositivo do Decreto-Lei 2.065/83, que tratava de correção monetária de Balanços. (grifamos).

Neste acórdão da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, o órgão decidiu favoravelmente ao contribuinte, discordando da autuação que imputou ao contribuinte não ter observado os requisitos, um dos quais, o prazo de 120 dias contados a partir do término do exercício social, previstos no PN nº 17/1984.

Já no Acórdão nº 3302­007.242 – 3ª Câmara/2ª Turma Ordinária, em sessão de 23/05/2019 (Relator Corintho Oliveira Machado), que segue abaixo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais afirma que em virtude de não existir norma específica na legislação do IOF, que imponha prazo limite para a capitalização do AFAC, não deve ser cobrado o imposto sobre os adiantamentos quando foram efetivamente utilizados no aumento de capital, independentemente do tempo decorrido para a capitalização.

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO E SEGUROS OU RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS ­ IOF. Ano calendário: 2003

ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. OPERAÇÃO DE MÚTUO. FALTA DE NORMA ESPÉCÍFICA.

Na falta de uma norma específica do IOF que imponha prazo limite para a capitalização dos chamados adiantamentos para futuro aumento de capital ­ AFAC, consubstancia ilegítima a cobrança de imposto sobre os adiantamentos quando esses, de fato, restam utilizados para aumento de capital. (grifamos).

Por último, no Acórdão CARF nº 3301­005.530 – 3ª Câmara/1ª Turma Ordinária, Sessão de 27/11/2018, (Relator Valcir Gassen), o Conselho afirma que as disposições do PN CST nº 17/1984 não podem ser utilizadas para a descaracterização do AFAC realizado posteriormente à sua perda de eficácia (09/08/2000).

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO E SEGUROS OU RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS ­ IOF. Ano calendário: 2010

IOF.  ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. AFAC.

As disposições contidas no Parecer Normativo CST nº 17 de 20/08/1984 não podem ser utilizadas como fundamento para descaracterização de AFAC realizado em período posterior à perda de sua eficácia, que se deu com a edição da Instrução Normativa nº 127/88, regulando a mesma matéria, que por sua vez foi revogada pela Instrução Normativa nº 79/2000. (grifamos).

Portanto, se o órgão julgador máximo na esfera administrativa admite que não há norma específica do IOF que determine um prazo limite para a capitalização do AFAC e sendo os termos do PN CST nº 17/1984 atualmente revogados, não há que se falar em multa por descumprimento de um suposto prazo dos 120 dias nas operações de AFAC entre pessoas jurídicas.

Mas, para segurança do contribuinte, é recomendável que o AFAC seja documentado por meio de contrato, prevendo minimamente as seguintes condições: a) que o adiantamento será destinado exclusivamente, em caráter irretratável e irrevogável, para o futuro aumento do Capital da sociedade; c) que o adiantamento será convertido em capital social nos primeiros 120 dias após o encerramento do exercício social da sociedade empresa que recebeu o aporte; d) que havendo uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) ou uma Alteração Contratual antes deste prazo, a conversão será feita neste momento.  

Aqui estamos adotando o prazo máximo de 120 dias após o encerramento do exercício para a concretização do aumento de capital, por mera adoção de boas práticas de governança corporativa. Nada mais que isso!

Sendo os aportes realizados pelos sócios efetivamente um AFAC, os valores devem ser contabilizados sob esta rubrica no patrimônio líquido do balanço, logo abaixo da conta de capital social.

Por outro lado, para o AFAC realizado entre pessoas jurídicas (a que efetua os aportes e a que recebe esses adiantamentos), recomendamos que a integralização dos aportes ao capital social seja feita no prazo máximo de 120 dias após o término do exercício. Já para os aportes realizados pelas pessoas físicas à jurídicasnão nos parece haver risco tributário pela não adoção do prazo máximo de 120 dias, uma vez que não é fato gerador do IOF. Apenas recomendamos a adoção dos cuidados societários de praxe.

[1] Resolução CFC nº 1.159/2009. Disponível em: https://www2.cfc.org.br/sisweb/sre/detalhes_sre.aspx?Codigo=2009/001159&arquivo=Res_1159.doc&_gl=1*1au3c7o*_ga*MTI3MDYxNjQzNC4xNzA4NjUwNzQ4*_ga_38VHCFH9HD*MTcyNzczMzIyMi4xMC4wLjE3Mjc3MzMyMjIuMC4wLjA. Acesso em: 30 set.2024.