A Escrituração Contábil Fiscal (ECF) foi implementada em 2015 com a promessa de simplificar a vida dos contribuintes e modernizar a fiscalização tributária no Brasil. No entanto, uma década depois, a realidade é bem diferente. A cada ano, a ECF se torna mais complexa, exigindo dos profissionais de tributos um conhecimento técnico cada vez mais aprofundado e consumindo um tempo cada vez maior. Neste artigo, vamos analisar a evolução da ECF ao longo dos anos, seus impactos nos contribuintes e nas empresas e discutir as perspectivas para o futuro.
A ECF representou uma grande mudança para contadores e tributaristas, com muitos desafios, sendo esta uma das declarações mais completas entregues à Receita. A primeira entrega dessa obrigação ocorreu em 2015, referente ao ano-calendário de 2014. Na ocasião, a promessa da Receita Federal do Brasil (RFB) era que a mudança da declaração do imposto de renda para o ambiente Sped promoveria a integração dos fiscos mediante a padronização e o compartilhamento das informações contábeis e fiscais, além de facilitar o processo de fiscalização com o cruzamento de dados e auditorias eletrônicas.
Na época, de acordo com a RFB, a mudança para o ambiente Sped também traria benefícios para os contribuintes, como a diminuição do consumo de papel, com redução de custos e preservação do meio ambiente, redução de custos com a racionalização e simplificação das obrigações acessórias, possibilidade de cruzamento das informações contábeis e fiscais, redução do tempo despendido com a presença de auditores fiscais nas instalações do contribuinte, fortalecimento do controle e da fiscalização por meio de intercâmbio de informações entre as administrações tributárias e aperfeiçoamento do combate à sonegação.
E parte disso aconteceu. Embora tenha havido, obviamente, uma redução de papel, o contribuinte passou a arcar com o investimento em sistemas, qualificação dos profissionais e aumento dos custos com consultorias para garantir a qualidade das informações prestadas aos órgãos fiscalizadores.
É fato que, após uma década, a entrega da ECF ainda não conseguiu representar a promessa de simplificação das informações prestadas na obrigação acessória, pois a cada ano a declaração fica mais completa e complexa, exigindo maior atenção e cuidado das equipes contábeis e tributárias.
Para exemplificar, lembro de algumas curiosidades da ECF nesses últimos dez anos. Em 2015, houve a extinção da DIPJ, estabelecendo a ECF. Dessa forma, as informações contábeis passaram a ser importadas pelo arquivo digital da Escrituração Contábil Digital (ECD). O prazo de entrega da primeira ECF foi 30 de setembro de 2015. Já em 2016, o prazo passou a ser o último dia de julho. No ano seguinte, a novidade foi a inclusão de um bloco referente à Declaração País a País (country-by-country). Em 2018, houve a inclusão de outro bloco, referente à Declaração Derex.
Por conta dos impactos da pandemia da Covid-19, em 2020 e 2021 o prazo de entrega foi alterado de forma excepcional para o último dia útil de setembro. Além disso, foram incluídos o registro M510 – Controle de Saldos das Contas Padrão da Parte B do e-Lalur e do e-Lacs e os registros X305 e X325 – Tipos de Ajustes do Preço Parâmetro da Exportação e Importação. Neste ano também houve a exclusão dos registros: X540 – Discriminação da Receita de Vendas dos Estabelecimentos por Atividade Econômica; Y550: Vendas a Comercial Exportadora com Fim Específico de Exportação; Y560: Detalhamento das Exportações da Comercial Exportadora; Y580: Doações a Campanhas Eleitorais; Y671: Outras Informações (Lucro Real); e Y690: Informações de Optantes pelo PAES. Em 2022, o prazo de entrega foi prorrogado para o último dia útil de agosto, indicando que as prorrogações de entrega da obrigação acessória estavam prestes a acabar.
Em 2023, o prazo voltou a ser o último dia de julho. Neste ano, foi aberta uma exceção apenas para empresas situadas no Rio Grande do Sul, que, por conta do estado de calamidade pública provocado pelas fortes enchentes, podem entregar a ECF até 31 de outubro. Um grande marco também deste ano foi a alteração definitiva do prazo de entrega da ECD para o último dia útil de julho, porém, sem alterar o prazo de entrega da ECF, ficando apenas um mês de diferença para a entrega das duas obrigações acessórias.
Mesmo após 10 anos, ainda estamos aprendendo a encarar e aceitar os desafios impostos pelo fisco. Próximo ao prazo, vivemos sempre muitas emoções, uma vez que frequentemente temos versões atualizadas do sistema sendo publicadas um dia antes do prazo final. Do outro lado, temos contribuintes “rebolando” para conseguir atender todos os prazos de fechamento dos impostos, obrigações acessórias e fechamentos contábeis, contando com apenas um mês entre a entrega da ECD e da ECF.
A ECF representou um grande avanço na modernização da fiscalização tributária no Brasil, mas ainda há muito a ser feito para simplificar o processo e reduzir a burocracia para os contribuintes. A busca por uma solução que equilibre a necessidade de fiscalização com a simplificação das obrigações acessórias é um desafio constante para a Receita Federal e para os profissionais da área contábil e tributária.
Passada uma década, a tão sonhada simplificação ainda não chegou. A pergunta que fica é: quando conseguiremos enxergar a promessa feita lá em 2015? Embora ainda não tenhamos a resposta, podemos sim dizer que houve um grande avanço em eficiência e na fiscalização. Quais serão as inovações dos próximos dez anos?
Rubia Fassi é diretora de Tributos Diretos da BDO