Um trânsito seguro depende da competência e da responsabilidade dos motoristas, mas não é só isso. As condições da infraestrutura das vias também têm relação direta com a segurança. No ano passado, por exemplo, o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) foi responsabilizado por dois acidentes fatais em rodovias. As sentenças, proferidas pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – com sede na cidade de Porto Alegre (RS) –, alegam que a inexistência de placas indicativas e de pintura de faixas nas pistas foi determinante para os acidentes. Ainda cabe recurso dessa decisão.
Segundo balanço da PRF (Polícia Rodoviária Federal), em todo o ano passado, foram registrados 89.318 acidentes nas rodovias federais brasileiras. O número de feridos chegou a 83.978 e o de mortes, a 6.244. A sinalização insuficiente ou inadequada das rodovias foi apontada como a causa presumível de 411 ocorrências, as quais resultaram na morte de 20 pessoas. Isso faz acender o sinal de alerta, uma vez que a Pesquisa CNT de Rodovias divulgada em 2017 mostra que a sinalização foi o aspecto que mais se deteriorou entre as rodovias federais e estaduais pavimentadas.
No ano passado, 59,2% dos mais de 105 mil km avaliados apresentaram problemas nas placas e nas pinturas das faixas laterais e centrais – em 2016, o índice foi de 51,7%. Essas últimas, inclusive, eram inexistentes em 21,4% dos trechos, contrariando o CTB (Código de Trânsito Brasileiro), que veda a disponibilização para o tráfego de rodovias antes de ser implantada toda a sinalização. A pesquisa também avalia as condições de pavimento e geometria das rodovias. No estado geral, 61,8% das rodovias foram classificadas como regulares, ruins ou péssimas.
A Região Norte é a que apresenta o pior índice de sinalização do país. Dos 12.863 km analisados, 10.336 km (80,4%) foram considerados regular, ruim ou péssimo. O Pará é o Estado com a pior situação: 45,7% dos 3.892 km analisados não têm pintura de faixas laterais e centrais; e 65,9% não possuem placas de limite de velocidade. Em Minas Gerais, Estado que possui a maior malha rodoviária do país, a sinalização foi considerada problemática em 57,8% dos trechos avaliados.
Para Valter Luiz Vendramin, diretor técnico da Absev (Associação Brasileira de Segurança Viária), uma rodovia tem que contar com toda uma estrutura para que possa ser considerada adequada aos usuários. “A sinalização, principalmente a horizontal (faixas centrais e laterais), é direcionada ao veículo que passa no pavimento. Ela acompanha o usuário desde o momento em que ele entra na rodovia até quando sai dela. São as faixas que dão o posicionamento do que fazer em determinadas situações. A falta de sinalização aumenta o risco de acidentes. O motorista entra em uma curva sem a velocidade adequada e não saberá qual decisão tomar.”
Na visão dele, é inconcebível uma via ser aberta para os condutores sem que esteja plenamente sinalizada. “Para que uma rodovia seja inaugurada, ela deve estar completa. Para que ela seja considerada pronta, a sinalização é parte vital do processo. É necessário planejamento, mas, para isso, é preciso diminuir a burocracia e aumentar os investimentos. Se nada for feito, os índices de acidentes só irão aumentar.” Em 2017, os mais de 89 mil acidentes rodoviários resultaram em um custo de R$ 11,19 bilhões para o país. O valor é superior ao investimento feito em rodovias em todo o ano passado, que foi de R$ 7,9 bilhões.
No levantamento realizado pela CNT, também foi verificada a existência de pelo menos uma curva perigosa a cada 30.487 km e, em 49,6% dessa extensão, não foram identificadas placas de advertência e nem defensas completas. Mais uma vez, o diretor da Absev destaca que, sem esse tipo de sinalização, a ocorrência de um acidente é quase certa. “Quando há a necessidade de alteração da velocidade da via em função da geometria, é obrigatória a existência de advertência anterior à curva. Isso é o que determina o Código de Trânsito Brasileiro. Quem não cumprir essa determinação está sujeito às responsabilidades legais também presentes no Código”, finaliza.
O gerente técnico do ONSV (Observatório Nacional de Segurança Viária), Renato Campestrini, ressalta que a sinalização de trânsito, seja ela vertical (placas) ou horizontal (faixas), tem papel importante para a segurança viária, a partir do momento em que sua função é informar ao condutor o que é ou não permitido fazer, qual o limite de velocidade permitido, entre outros. “Quando uma pesquisa – como a realizada pela CNT – aponta a ausência de sinalização, é necessário voltar os olhos para isso e trabalhar junto aos órgãos ou às entidades com circunscrição sobre a via para que esse problema seja solucionado de forma breve.”
Ele ainda destaca que é certo que ações de vândalos e acidentes contribuem para que a sinalização vertical se mostre deficiente, mas, no caso da horizontal, somente o fluxo elevado de veículos acaba por desgastá-la e, portanto, é desejável que as pinturas sejam revitalizadas frequentemente. Responsável pela manutenção das rodovias federais, o Dnit desenvolve, desde 2012, o Programa BR-LEGAL, que tem como meta a cobertura de 100% da malha rodoviária federal pavimentada e propõe a manutenção estruturada da sinalização das vias por um período de cinco anos. Segundo o órgão, o programa já atuou e aprimorou a sinalização de aproximadamente 70% da malha rodoviária federal.
De acordo com a assessoria do departamento, em 2017, o programa firmou 106 contratos, que cobrem atualmente 50.811,5 km de malha rodoviária, e foram aprovados projetos básicos de sinalização para 2.420 km. O Dnit informa ainda que foram feitas intervenções na sinalização horizontal em aproximadamente 7.534 km e, na sinalização vertical, as intervenções chegaram a 11.760 km, além da implantação de dispositivos de segurança (elementos projetados e instalados ao longo de vias, interseções, ramos e acessos) em 5.094 km. No ano passado, o orçamento do programa foi de R$ 540 milhões. Para este ano, houve redução do montante, e o orçamento previsto é de R$ 500 milhões.
A reportagem da revista CNT Transporte Atual encaminhou para o Dnit fotos e a geolocalização de 15 trechos de rodovias sem nenhuma sinalização percorridos pelas equipes de pesquisa da Confederação Nacional do Transporte, mas, até o fechamento desta edição, o órgão não havia se pronunciado sobre essa questão.
As mesmas imagens foram enviadas ao TCU (Tribunal de Contas da União), responsável por analisar os contratos do BR-Legal. Em resposta, por meio de sua assessoria de imprensa, o Tribunal informou que, dos 15 exemplos enviados, seis já tiveram o contrato analisado, e nove ainda estavam em fase de instrução processual. Nos contratos analisados, foram encontradas irregularidades, como atrasos e não priorização na entrega dos projetos, que implicam o adiamento dos trabalhos de instalação da sinalização e de dispositivos de segurança nas rodovias; ausência de penalização à empresa contratada em decorrência do atraso na elaboração e na entrega dos projetos básico e executivo da obra e atrasos.
Responsabilização
Em 2017, o Dnit foi condenado a pagar R$ 49 mil de indenização por danos morais e materiais ao namorado de uma jovem morta em um acidente na BR-101, próximo a Tubarão (SC). O acidente ocorreu em 2012, quando o motociclista, autor da ação, saiu da rodovia para ingressar na via auxiliar e bateu de frente com um automóvel que vinha na direção contrária. O autor da ação alegou falta de sinalização e iluminação da rodovia. A ação contou com o depoimento de um policial rodoviário federal, testemunha no processo, que informou que não havia placa de “Pare” na via principal nem na auxiliar.
Pagamento de pensão
Também em 2017, o Dnit foi condenado pela morte de um homem que bateu o veículo na traseira de um caminhão que auxiliava no trabalho de manutenção da rodovia. A inexistência de placas indicativas com a distância de 200 metros e 500 metros antes do local interditado foi apontada como causa do acidente. A família da vítima vai receber indenização por danos morais, e o departamento deverá pagar uma pensão à filha.
(Fonte: Fetcesp)