Países que adotaram a inclusão automática no Cadastro Positivo, como fez agora o Brasil, apresentaram expansão dos empréstimos com queda da inadimplência
Grande parte das políticas econômicas envolve algum tipo de conflito distributivo. É o caso, por exemplo, da reforma tributária. Uma tributação progressiva, com alíquotas maiores sobre as rendas mais elevadas, pode representar perdas para a parcela mais rica da população.
Ainda que parte dos prejuízos a curto prazo possa ser compensada por benefícios (incertos) a longo prazo –redução da desigualdade e maior crescimento econômico, para citar dois –, a resistência dos grupos que se sentem prejudicados tende a dificultar a aprovação da medida.
O mesmo problema está por trás da dificuldade de se aprovar uma reforma da Previdência que afete as aposentadorias de funcionários públicos e militares.
Há, por outro lado, políticas econômicas capazes de gerar enormes benefícios para a sociedade sem impor perdas significativas para qualquer grupo em particular. É o caso da inclusão automática dos consumidores no Cadastro Positivo de crédito, aprovada no dia 13 de março pelo Senado Federal.
Entre as falhas estruturais do mercado de crédito brasileiro podemos citar os problemas informacionais.
Com informações limitadas a respeito do comportamento de crédito dos consumidores –apenas os dados negativos, de inadimplência, estavam disponíveis para avaliação de riscos –, as instituições financeiras tendem a ofertar empréstimos com taxas de juros superiores à ideal.
O resultado é um equilíbrio com taxas médias elevadas e uma oferta de crédito aquém da desejada, além de uma elevada inadimplência, tudo devido a essa assimetria de informações.
O objetivo do Cadastro Positivo é exatamente corrigir esse problema informacional, separando os bons dos maus pagadores e possibilitando, com isso, que os credores ofereçam taxas diferenciadas de acordo com o risco, o que deve resultar na redução dos juros médios do sistema financeiro.
Ainda que as altas taxas de juros sejam reflexo também de outros fatores como impostos, falta de garantias, dificuldades na recuperação do crédito, compulsórios ou a falta de competição no setor, esse problema informacional sem dúvida ajuda a explicar porque, em 2016, os brasileiros pagavam uma taxa média de 52,1% ao ano, contra 31,2% observada na Argentina, 6,9% no México, 5,4% no Chile e 3,5% nos Estados Unidos, de acordo com dados do Banco Mundial.
Em 2011, o governo brasileiro regulamentou a lei que criava o Cadastro Positivo. Contudo, ao contrário do observado nas melhores experiências internacionais, a inclusão no Cadastro, no Brasil, dependia dos próprios consumidores, o chamado opt-in.
Como o benefício individual de se participar do cadastro não estava evidente, não havia incentivo suficiente para que os consumidores aderissem, o que limitou bastante o impacto positivo da medida e o número de participantes ficou muito aquém do esperado.
O projeto de lei aprovado agora no Senado deve corrigir essa distorção e abrir espaço para um novo ciclo de crescimento do mercado de crédito.
Isso porque as informações de pagamento de operações de crédito dos clientes de varejistas, bancos, financeiras e empresas de serviços continuados, a partir da sanção da lei e da regulamentação da medida, passarão a ser compartilhadas com os birôs de crédito, como a Boa Vista -o que deve colaborar para o aprimoramento das avaliações de crédito, elevando as taxas de aprovação de empréstimos e diminuindo a inadimplência e as taxas médias de juros.
Afinal, os concedentes de crédito, a partir de agora, terão condições de realizar operações muito mais assertivas e bem menos arriscadas.
Em outras palavras, será possível ofertar empréstimos com taxas de juros e prazos mais adequados ao perfil de cada cliente. Consumidores com comportamento positivo na utilização do crédito terão acesso a empréstimos com taxas menores, portanto.
A melhora da avaliação de risco e a maior disponibilidade de informações ainda devem favorecer instituições financeiras menores e fintechs, acirrando, com isso, a competição bancária.
Evidências internacionais apontam que um mercado de crédito desenvolvido e eficiente resulta em maior crescimento econômico.
Países que adotaram a inclusão automática no Cadastro Positivo, de maneira geral, apresentaram expansão dos empréstimos com queda da inadimplência.
Estudo de Barron e Staten (2003), por exemplo, mostrou que, nos Estados Unidos, o percentual de consumidores com acesso a crédito saltou de 40% para 75% após a inclusão das informações positivas. A taxa de inadimplência, por sua vez, caiu de 3,4% para 1,9% do volume de empréstimos.
Já de acordo com estudo do Banco Mundial, o Egito registrou um aumento de 136% no volume de crédito entre 2008 e 2016 após a adoção do Cadastro Positivo automático, com redução de 62% da inadimplência no período.
Na Itália, onde a maior parte das empresas é de pequeno e médio porte (e sem relacionamento bancário), a utilização do comportamento de pagamento da conta de água aumentou em 83% o público elegível a crédito nos bancos.
Na República Dominicana, por fim, o uso de score com variáveis positivas e negativas pelas empresas de telefonia fez com que, em 10 anos, 35% dos clientes pré-pagos passassem para pós-pagos, com redução de 70% da inadimplência em 15 anos.
Nos últimos 15 anos, o mercado brasileiro passou por um período de importantes mudanças institucionais (regulamentação do consignado, em 2003; consolidação da alienação fiduciária e criação dos instrumentos de captação com lastro imobiliário, em 2004; lei de falências e recuperação de empresas, em 2005; lei dos consórcios, em 2008), o que colaborou para a forte expansão das operações de crédito até 2011, quando teve início uma política malsucedida de expansão do crédito público.
Passado o pior momento da crise econômica, medidas como a Duplicata Eletrônica – sancionada em 20/12/18 e que facilita a utilização de duplicatas como garantia em operações de empréstimo –e o novo Cadastro Positivo tem tudo para inaugurar um novo ciclo virtuoso na história do mercado de crédito brasileiro, que deve ser impulsionado ainda pelos avanços tecnológicos e pela expansão das fintechs.
(Fonte: Diário do Comércio)